Uma estranha conversa

Gosto desse lugar, um deserto imenso no meio do mundo. É completamente vazio e sem vida. Muito raramente passa por aqui uma ou outra caravana. Assim, não fico observando a vida, que um dia vou destruir. É morto, solitário. Como um espelho da minha alma.
Venho aqui quando algo muito estranho ou mais difícil que o normal acontece. Dessa vez foi a conversa que tive com um velho senhor que teve a alma ceifada há pouco tempo.
Ele era legal. Percebeu imediatamente quando entrei na velha cabana em que mora, em um lugar tão distante do mundo quanto esse em que estou agora. Me cumprimentou tranquilo e até perguntou se não queria me sentar:
- Meu cansaço não é físico.
- Acho que compreendo. Deve ser difícil ser você.
Não é qualquer um que pode me ver, principalmente quando não desejo, mas ele tinha algo especial.
- Então, além de me ver, sabe quem sou eu?
- Claro, eu a conheço. Infelizmente, te conheço mais do que desejava. Eu vi quando sua foice arrancou as almas de meus pais, depois da minha esposa e ainda da minha filha.
- ...
Fiquei angustiada, com um nó na garganta. Ele abriu um sorriso consolador e quebrou o silêncio que estabeleci.
- Isso foi há muito tempo. Ainda dói, é verdade, mas hoje finalmente chegou a minha vez, não é?
- É.
- Sabe se vou encontrá-los de novo?
- Não sei, mas espero que sim.
- Acho que só tem um jeito de saber...
- Eu invejo a sorte de vocês. Sempre tem uma esperança, mesmo que ela seja tão mórbida.
- Gostaria realmente de te dar algumas respostas, mas sou só um velho de noventa anos de idade prestes a morrer.
Dessa vez foi ele quem ficou um pouco angustiado. Acho que ele se sentiu impotente, por isso me esforcei e sorri. Não queria que aquele homem tão bom morresse sem um pouco de alegria.
- Eu tenho a eternidade pela frente. Vou descobrir um jeito de ser feliz.
Ele se aproximou de mim e, como se eu fosse uma neta dele, afagou meus cabelos com ternura. O contato foi rápido, mas intenso. Senti sua alma se soltando do corpo. Eu mesma o enterrei.
Será que o que disse a ele é uma verdade? Já vivi uma espécie de eternidade e momentos como esse são extremamente raros. Bem, de qualquer forma vou ter que encarar o futuro, de um jeito ou de outro.

1 comentários:

  Tania Montandon

24 de maio de 2009 às 14:17

"Gosto desse lugar, um deserto imenso no meio do mundo. É completamente vazio e sem vida. Muito raramente passa por aqui uma ou outra caravana. Assim, não fico observando a vida, que um dia vou destruir. É morto, solitário. Como um espelho da minha alma."

Adorei esse pedaço, perfeito! o desenrolar da história tbm combina com minha áurea meio fúnebre, adoro
=)